Sem mudança profunda na formulação da economia para além das reformas triviais, o crescimento será medíocre

A discussão ausente ao governo Lula, e não por lhe faltar vontade, o que lhe falta é formulação e estratégia, é essa: como fazer o caminho de volta ao desenvolvimento

O caminho é outro

Com dívida pública líquida de 61% do PIB, déficit orçamentário, sem o fardo dos juros, relativamente baixo, de 1,1% do PIB, reservas de divisas que excedem os compromissos externos, sistema bancário forte, rentável e com capilaridade nacional e setor privado mais ativo que a maioria de seus congêneres dos países emergentes, exceto os da Ásia, a economia brasileira reúne as condições para dar um salto à frente.

Depois de um governo tenebroso, não deveríamos falar em crise.

É o que se espera do governo Lula, ou era o que se esperava, logo se vai saber, a depender de suas escolhas de política econômica. Parte é função de suas decisões, parte é do Congresso, que reflete o ânimo dos grupos sociais representados pelos parlamentares. No fim, cabe ao presidente empolgar o auditório e construir consensos, nessa ordem.

Se entregar resultados palpáveis sem demora, que implica pôr o bonde da economia para andar, o Congresso em início de mandato não lhe irá faltar. Como se sabe, todo artista tem de ir aonde o povo está.

Ao ralhar com o Banco Central, insatisfeito com o enorme diferencial entre a taxa de juro básica, vulgo Selic, de 13,75% vis-à-vis a taxa de inflação em 12 meses de 5,7%, o presidente mostrou o que deseja e o que o incomoda. Intuitivamente, sabe que sem mudanças profundas na formulação da economia, o que vai além de reformas triviais como as já promovidas da previdência e a trabalhista e as que estão na fila, com destaque para a tributária, o crescimento será medíocre.

Progresso exige coordenação, que numa democracia se faz pela junção entre Executivo, Congresso e economia privada, não resulta da crença de que a “mão invisível” do mercado entregará todas as demandas no piloto automático. Não há exemplo de progresso bem-sucedido no mundo realizado a despeito de governos, e quem tentou, embora parcialmente, se deu mal – o caso dos EUA, que correm atrás do prejuízo, ameaçados pela desarmonia doméstica e pela cada vez mais desafiadora China.

Por ironia, China bebeu no modelo de desenvolvimento brasileiro dos anos 1950 a 1970, ao abrir sua economia a partir de 1978.

Com a insurreição de 8 de janeiro forçando o governo a priorizar as questões institucionais num país sobrecarregado pelas urgências de infraestrutura, com déficits, juros sacrificantes, pobreza endêmica, é duvidoso que o mapa do caminho dos últimos 40 anos seja a resposta.

Precisamos rejuvenescer

Desambição é como desengano: sem enfrentá-la, vira conformismo. E é essa a rotina a que nos submetemos, levados parte pelo medo de outro fracasso, como as tentativas de retomada do progresso, parte por ser o que funciona para um setor econômico e alguns poucos afortunados, indiferentes que à custa de outros setores e outros grupos sociais.

O sucesso do agro não justifica a decadência industrial, os juros à farta dos títulos de dívida pública isentos de risco são meio de vida da minoria que vive de rendas de um capital sem função produtiva.

O que fazer? Ouçamos Belchior: “Você não sente nem vê. Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer. E o que há algum tempo era jovem e novo hoje é antigo. E precisamos todos rejuvenescer”. O terceiro mandato de um presidente com 77 anos não pode ser conservador, como não o é o do colega Joe Biden. Aos 80 anos, ele lidera nos EUA o que o New York Times definiu como “experimento enorme e desconhecido na economia”. Segundo Robinson Meyer, do Times, se o experimento for bem-sucedido, os políticos mudarão a maneira de pensar sobre como administrar o mercado. Se falhar, limitará o número de ferramentas para combater mudanças climáticas ou recessão. “A história da economia dos EUA do século 21 está sendo moldada agora”, ele diz. Curioso é que Biden só esta fazendo, com competência, o que Donald Trump tentou e falhou.

Looping de estagnação

A economia está num looping de estagnação, ou os cenários captados pelas sondagens de mercado do Banco Central não indicariam taxas de crescimento anual do PIB de 2% no longo prazo, e nem assim acertam. O realizado a cada ano é menos do que isso.

A população cresceu 2,8% ao ano de 1950 a 1980, a economia avançou 7% ao ano e a renda per capita, 4,2% ao ano. Tal atuação nunca mais se repetiu. Entre 1981 e 2022, nosso PIB apenas dobrou, se tanto, enquanto o PIB mundial quadruplicou ao ritmo anual de 3,4%.

Fossemos um país em que até estrada vicinal é asfaltada, como Japão e Suíça, não haveria o que reclamar. Não é assim, com o agravante de que a população chamada de “invisível” por Paulo Guedes, dois terços do total, só não é visível aos trogloditas e é a que mais cresce.

Uma visão espacial, mostrada pelo reitor do ITA, Anderson Correia, dramatiza nossa situação: EUA, China, Índia, Brasil e Rússia são os únicos no mundo que combinam área superior a 2 milhões de km2, mais de 100 milhões de habitantes e PIB superior a US$ 1 trilhão.

Somos o único sem projeto de longo prazo movido a investimento em infraestrutura, em indústria e em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Ficamos sozinhos depois que os EUA começaram a mudar com Trump, ao repor política industrial no centro das atenções, e Biden efetivar esse caminho com apoio bipartidário.

Diversos intelectuais já falam em “nova ordem política”, entre eles o historiador Gary Gerstle, da Universidade de Cambridge, autor de um dos mais badalados livros de não-ficção do ano passado, The Rise and Fall of the Neoliberal Order. “O neoliberalismo errou ao pensar que os mercados poderiam ser completamente isolados da política”, disse Gerstle, semana passada, em entrevista divulgada pelo FMI. O FMI!

Sutilezas do status quo

A discussão ausente ao governo Lula, e não por lhe faltar vontade, o que lhe falta é formulação e estratégia, é essa: como fazer o caminho de volta ao desenvolvimento. Já será um ponto de partida restaurar o conceito de “autoridade econômica” similar ao usado pela imprensa ao se referir ao BC como “autoridade monetária”. Isso não é sutileza.

Também é prudente compreender o cerco a que vem sendo submetido, e aí sim com sutileza, para se render ao status quo da ortodoxia. Vem daí a sedução dos projetos de apelo popular para ele anunciar, tipo correção do IR na fonte, novo Minha Casa, aumento do salário mínimo, e a aparente boa-vontade de formadores de opinião do mercado. E para não ter dúvida sobre o que fazer, a imprensa é inundada de artigos em que os autores o chamam de “burro”, “populista”, e outros com cara de vidente enfezada anunciam o “precipício fiscal” e quejandos.

Estamos assim: continuísmo, mudança gradativa ou ruptura. A relação de forças recomenda a opção gradativa, acompanhada de mudanças também aos poucos. No exemplo dos EUA: Trump precipitou, Biden conciliou, e, teve ajuda de gente de Wall Street, chamada para formular e implantar as mudanças, não da academia nem da tecnocracia do governo. Diminuiu as resistências e encurtou o tempo do consenso político. No mundo das informações instantâneas e redes nada sociais, dois meses equivalem a dois anos no relógio de tempo da popularidade do governante. Hoje é semente do amanhã.

*Antonio Machado é jornalista, colunista dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas.

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