Crescimento, não juro nem ‘arcabouço’, é o sinal para quem quer dar match no Congresso e na economia

Tinder da política

O novo, velho escândalo envolvendo Jair Bolsonaro e as “criaturas do pântano” que o cercam, tomando por empréstimo a imagem do ex-ministro Paulo Guedes, revela mais um pouco as entranhas da sordidez fardada e civil do golpismo com digital miliciana de que estivemos tão próximo. Mas, por maiores os seus crimes, os riscos se equiparam aos derivados da economia sem tração para crescer e sem ideias inovadoras.
As urnas não reelegeram um presidente despreparado, mas elegeram uma maioria de deputados e senadores de centro direita, fizeram o partido de Bolsonaro o de maior representação na Câmara e deram à nova gestão do Executivo a oportunidade de ou conduzir com maior eficácia a linha fiscalista e liberal financista deturpada pelo populismo eleitoral do antecessor ou propor uma política econômica pautada pelo crescimento.
O presidente Lula foi rápido na remontagem de áreas abandonadas com fins até criminosos, como a de proteção das reservas florestais e das terras indígenas, da desmilitarização de atividades civis, revigorou os programas sociais e voltou a dar aumento real ao salário mínimo, entre outras decisões meritórias não contestadas nem pela oposição.
A ambiguidade da política econômica, contudo, tem sido o pé de apoio fraturado. O governo critica, em tom duro, a irrazoável ortodoxia do Banco Central na pilotagem da taxa de juro de curto prazo. Mas em vez de questionar as razões ditas técnicas do BC para manter desde agosto do ano passado a Selic congelada em 13,75%, enquanto pelo IPCA-15 até abril a inflação perdeu 7,97 pontos de percentagem em 12 meses, vindo para 4,16%, abaixo do piso superior da meta do ano, 4,75%, a equipe econômica procura um nexo fiscalista para angariar a boa vontade dos fundamentalistas do mercado financeiro. Boa sorte…
A ser esse o caminho, considerados seus ônus políticos e econômicos, encontraria menos contrariedade se mimetizasse a escalação econômica de 2003, quando os quadros chaves foram ocupados por economistas sem relação com o PT e de confiança dos traders de papéis do mercado. Não dá é prometer investimento público, antecipar o 13º de aposentados do INSS para dar um up no consumo, enquanto a razão do arrocho monetário é asfixiar a demanda e o emprego para desinflacionar os preços.
Um quadro assim, convenhamos, não favorece o governo no ‘Tinder’ da política. Não se dá match a quem parece propenso a papos enfadonhos.

Brazillywood de farialimers

Com o ano já entrando no quinto mês sem razões convincentes para se avistar crescimento maiúsculo, em grande parte pelo receio do governo de peitar a análise mainstream de que estamos à beira do “precipício fiscal”, conforme a ficção de terror do Brazillywood dos farialimers, dois fatos se impõem. O primeiro é claro: falta maioria parlamentar, sobretudo na Câmara, e dificilmente a terá só ofertando benesses.
Desde que as emendas parlamentares se tornaram impositivas a partir do governo Temer, adicionadas aos fundos partidário e eleitoral, não há muitos atrativos ao governante para aliciar uma frente de apoio.
Nem o empresariado, afastadas as doações privadas a partidos, tem a entrada franqueada como no passado. Já não é apenas uma relação de troca por cargos e recursos o que move, por exemplo, o presidente da Câmara, Arthur Lira, mas a ambição de dividir a tomada de decisões.
O chamado semipresidencialismo foi consensual com Temer, tirado com argumentos, digamos, sensíveis de um Bolsonaro já mais sujo que pau de galinheiro, e está posto a Lula de modo amigável.
O Senado parece menos invasivo, embora seja provável que o tom morno de seu presidente, Rodrigo Pacheco, tenha levado os senadores a dar a Lira um mandato informal para negociar um arranjo que, a rigor, não é estranho a Lula. Em seus dois governos, ele teve centristas como negociador político, e no BC, então sem autonomia formal, Henrique Meirelles ficou oito anos com ampla liberdade operacional.
Menos evidente para um governo com presidente forte e apoio político fraco é que ou partilha com o Congresso um projeto econômico inovador ou será refém de interesses com trânsito entre deputados e senadores, como os que bancam a soberba de Roberto Campos Neto à frente do BC.

Tempo de uma nova mudança

Só que os tempos mudaram e outra concepção precisa ser formulada. A única franquia programática efetivamente livre e necessária na praça das ideias no país é a do Estado facilitador do desenvolvimento, tal como praticado na Europa e nos EUA pelos governos Trump e Biden. Isso nada tem a ver com estatização, como aconteceu do pós-guerra ao ocaso da ditadura militar por carência de capital privado e de empresários.
As economias desenvolvidas tendem desde o crash de 2008 a buscar nos governos, isto é, nas estruturas permanentes do Estado, o impulso que a “mão livre” do mercado se mostrou incapaz de endereçar. E nem havia como fazer diferente frente à avassaladora progressão da concorrência das nações asiáticas, que por sua vez, após a crise de suas economias devido ao neoliberalismo com o qual flertaram, voltaram-se ao que por ironia aprenderam com o keynesianismo que fez os EUA serem a potência número 1 do mundo, hoje desafiada pela China. O mundo anda em ciclos.
O FMI estima em 67% a contribuição da Ásia para o crescimento do PIB global este ano. A Ásia é apresentada no mesmo estudo do FMI como “a região mais resiliente e dinâmica do mundo”. Essa é a agenda para Lula e o empresariado terem com os líderes do Congresso, limitados, pela omissão de todos nós, à vetocracia dos fiscalistas de plantão.

Uma agenda para recomeçar

Nenhum país populoso e com território com dimensão continental está tão atrasado na corrida desenvolvimentista como o Brasil. E será pior quanto mais nos desviemos dos temas centrais. Tipo o quê? Vamos lá.
O relatório anual da Agência Internacional de Energia sobre o status da transformação do motor carburante para bateria diz que os veículos elétricos (VEs) aumentaram sua participação no mercado geral no mundo de 4% em 2020 para 14% em 2022, devendo atingir 18% este ano e passar de 60% até 2030. “Carros são a primeira onda”, diz o estudo da IEA, na sigla em inglês. “Ônibus e caminhões elétricos virão logo depois.”
A implicação, segundo a IEA: “pelo menos 5 milhões de barris por dia de petróleo”, fora gás, deixarão de ser consumidos, marcando o início do fim da era dos combustíveis fósseis. Bom para o meio ambiente, mau para economias dependentes de petróleo que não se prepararem a tempo. A produção brasileira é de 3 milhões/dia de barris, e vem crescendo.
Decisões cruciais como esta envolvem governo, parlamento, empresas e sociedade. Exigem tratar subvenções oficiais como questões de Estado, não só como ônus, pois, se bem formuladas, viram alavanca de negócios privados. Nos EUA, os US$ 280 bilhões de novos fundos para pesquisa e fabricação de semicondutores já corresponde a outra tanto de dinheiro privado, movimentando indústrias tão diversas como de aço e máquinas.
Essa é a agenda para pôr na mesma mesa os centristas do Congresso e Lula para ver como faz para além do paroquialismo de bolsonaristas, petistas e quejandos, com o empresariado como parte integral. Estamos à mercê da convergência de grandes forças macroeconômicas, inovações tecnológicas disruptivas, emergência ambiental e mudanças abruptas da dinâmica do mercado. Como todo mundo adora uma história de recomeço, que Lula, Lira, Pacheco etc. comecem a dar match um com o outro.

Antonio Machado é jornalista, colunista dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas

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