Crescimento de 2,9% em 2023 oculta o investimento estagnado de uma economia com baixa oferta

PIB sem tempero

A economia cresceu 2,9% em 2023, quase o triplo do que previam os analistas do mercado financeiro no início do ano, e isso é um risco, se criar conformismo entre os governantes, entusiasmados com o resultado, e iludir o empresariado pequeno e médio, pois os maiores sabem que a taxa de investimento é a variável decisiva.

O investimento em atividades produtivas (que nada tem a ver com a aplicação em papéis) caiu 3% sobre o total investido por empresas e governos em 2022 em máquinas, equipamentos, construção. Atingiu, como proporção do produto interno bruto (PIB), 16,5%, das menores taxas de expansão produtiva de todos os tempos. Compara-se com 17,8% do PIB em 2022 e com os 22% para cima que deveriam ser para a economia crescer sem pressionar os preços e as contas externas.

A politização do crescimento da economia tem feito muito mal para o país, ao confundir questões eleitorais expostas como prioridades sociais e gastos correntes que puxam o consumo sem compensá-lo com a expansão da oferta. É este desequilíbrio que atiça a inflação e, eventualmente, a balança comercial ao elevar a importação acima do total exportado, e não o contrário como tem sido diagnosticado por todos os governos desde a reforma monetária de 1994.

Já passa da hora o IBGE estimar o investimento líquido que exclui a aquisição de ativos sem gerar expansão da produção instalada. A conta bruta equivale a uma troca, tipo a chinesa BYD comprar as instalações que a Ford desativou na Bahia e importar partes mais valiosas de sua linha de veículos para montar no Brasil com baixa adição de valor gerado localmente. Ou Petrobras vender refinarias, apenas trocando o dono. Isso não é o que os economistas chamam de crescimento estrutural, é apenas uma transação monetária.

A baixa mobilidade do capital produtivo pode ser vista ao abrir os dados do PIB pelo lado da demanda. O consumo de famílias, com grande influência de transferências de renda e salários, cresceu 3,1%, e o consumo do governo, 1,7%. Já o gasto com investimento recuou 3,1%. Importações (-1,2%) e exportações (+9,1%, graças ao agro/minérios/petróleo) fecharam a conta do PIB movido mais pelo consumo que pela oferta, que é o que está na raiz da pujança das economias asiáticas e os EUA voltaram a fazer.

Assim crescem as economias e se constrói a coesão pelo progresso.

Regime das PPPs é chave

Não somos a única grande economia desorientada sobre o caminho a seguir. A Índia, que tende a ser a terceira potência econômica do mundo, abaixo de EUA e China, chafurdou até os anos 1980 com o seu sistema de economia planificada com democracia parlamentarista – portanto, diverso do autoritarismo com mercado privado da China.

O caminho do neoliberalismo que então se espalhava pelo mundo foi considerado insatisfatório. Veio do setor privado a resposta, que começou com a identidade digital única para a população de 1,3 bilhão de pessoas, estabelecida em 2009 pelo governo anterior ao do primeiro-ministro Narendra Modi. Os resultados são brilhantes.

A pobreza ainda é gigantesca, mas o caminho foi traçado. A Índia é potência nuclear, tem vantagens em tecnologia da informação como nenhum outro país, fabrica caças a jato com tecnologia própria, já pousou uma sonda na Lula (o quarto país a realizar esse feito).

Hoje, o estrategista da virada da Índia para o desenvolvimento acelerado, o cofundador da Infosis, Nandan Nilekani, pilota para o governo outra iniciativa revolucionária: depois do DPI, o acrônimo para Infraestrutura Pública Digital, ele está à frente da ONDC, Open Network for Digital Commerce, em conjunto com ministros e empresários. Parceria pública-privada é a chave.

Governo nenhum tem competências para formular respostas para as complexidades dos tempos atuais. Xi Jinping, o autocrata chinês, achou que tivesse, e a economia vem patinando desde antes da pandemia da Covid, abrindo espaço na Ásia para despontar, além da Índia, Indonésia, que também vem em expansão acelerada, e as já maduras tecnologicamente Coreia do Sul, Japão, Singapura e Taiwan.

Antecedentes para a virada

Não temos nada que se assemelhe a tais transformações, seja com a liderança privada, como nos EUA, seja em parceria com capitais públicos e privados, seja com a mão forte do Estado, na China.

Nestas concepções, comum a todos é a associação entre setores – agro, minérios, manufatura, serviços de logística e inteligência de sistemas -, tratados de forma integrada. Sobretudo serviços às pessoas, já que as novas manufaturas são intensivas em máquinas e equipamentos inteligentes, não em empregos pouco qualificados.

Cada país escolhe o que lhe é mais factível. Indonésia remontou a sua base industrial partindo da abundância do níquel para criar um cluster de fabricas de baterias e de veículos elétricos. Tributou o níquel exportado e o isentou para projetos na cadeia de valor do minério. Entre nós está à mão subir dois a três degraus na cadeia de valor e grãos e proteínas e promoção de marca.

Mas há uma questão antecedente: uma macroeconomia favorável a que o custo do capital seja compatível com a taxa de retorno dos novos negócios e/ou a geração de caixa próprio para bancar os gastos de expansão, função de custos baixos internos e externos ao negócio.

Não se põe cunha fiscal no crédito, por exemplo, nem se reformam impostos mantendo a carga tributária como premissa. As burocracias regulatórias também precisam ser só as essenciais.

A Samsung como inspiração

Por mais que mereça apoio todo esforço para tirar a economia da mesmice das últimas décadas, é tempo de o produtor que de verdade produz comparecer à discussão. Terceirizar seu lugar de fala para entidades limitadas a quem tem tempo para tertúlias não funciona.

É tempo também de se passar a limpo dois mitos ou fantasmas que sentaram raízes entre os economistas. O primeiro dá peso maior do que merece ao investimento público, quando o crédito acessível e abundante é o que moveu e move as economias mais bem-sucedidas. O segundo é supor que um país com reservas de divisas maiores que a dívida externa soberana deva condicionar sua taxa de juros básica ao vai da valsa dos Fed funds. Os impedimentos são autoimpostos ao Banco Central e não oriundos de boa formulação econômica.

Acerte-se minimamente as contas fiscais, e mais pela despesa, não pela receita, e tudo ficará mais límpido aos governantes. E pense, como inspiração, na foto que me apareceu no X em alusão a uma data marcante aos coreanos: no mesmo dia do anúncio do PIB, nasceu, em 1938, a Samsung como exportadora de legumes, frutas e peixes, num predinho bem simplesinho. Olhe no que ela se tornou… É por aí.

Antonio Machado é jornalista, colunista dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas.

Deixe uma resposta