Lula acerta ao dizer que a economia poderia ser a 5ª no mundo e se equivoca na crítica à frustração

A visão embaçada

“Este país já poderia estar consagrado como a quinta economia do mundo há muito tempo, mas há muita gente nesse país que teima em retroceder”, disse o presidente Lula na quinta-feira, no Recife, ao abrir o ciclo de viagens para se aproximar do eleitor e tentar ampliar as chances dos candidatos do PT nas eleições municipais.

Hoje, no monitoramento do FMI dos resultados econômicos de cada país em 2023, o produto interno bruto (PIB) do Brasil subiu para a 9ª posição, em dólar corrente, ultrapassando o Canadá (10ª maior economia). Mas, se tivéssemos mantido o mesmo peso no PIB global que detínhamos em 1980, nossa economia equivaleria à da Inglaterra – US$ 3,3 trilhões, 6º maior PIB do mundo -, em vez dos US$ 2,16 trilhões projetados para 2023. E a renda per capita seria próxima à de Portugal, US$ 22.500, mais que o dobro do estimado para 2023.

Na verdade, poderíamos estar com desempenho mais próximo da China em termos industriais, considerando que o ponto de partida chinês, em 1978, coincide com a inflexão do nosso desenvolvimento, que se estendia desde início dos anos 1950, abatido pelo choque da dívida externa devido à inflação nos EUA e dos juros excepcionais de dois dígitos do Federal Reserve. Veio a moratória da dívida, e nunca mais recuperamos o modelo de crescimento acelerado que inspirou a industrialização da China e da Ásia em geral.

Nossa desindustrialização começa aí, sufocada, crescentemente, por programas de ajustes fiscal que deveriam ser temporários, tal como a reforma monetária de 1994, que extirpou o financiamento inflacionário das finanças públicas, mas depois disso ninguém mais se importou com as taxas de juros sem igual no mundo com as quais, é preciso reconhecer, nos acostumamos como sapo em água morna.

Lula foi ligeiro em sua crítica. Vindo do governante cujo partido está à frente do governo federal há 17 anos, incluindo o terceiro mandato iniciado ano passado, a declaração sugere autocrítica.

Mas não foi isso. Ele culpou a privatização da Eletrobras e a razia do setor de infraestrutura e da Petrobras pelos juízes e procuradores da Lava Jato pela estagnação econômica que só não é plena graças às exportações do agro, de minérios e petróleo, commodities que geram dólares mas contribuem pouco para o emprego e os impostos.

O que engripa o progresso

Entende-se que Lula queira reescrever a história. Há, de fato, muitas injustiças em sua trajetória, como a prisão em 2018, para tirá-lo do pleito presidencial pelo juiz que viria a ser ministro do presidente eleito, e a recusa de Dilma, em 2014, de lhe ceder a legenda para disputar a reeleição. Só que isso é com ele.

Com o país, provavelmente, terá maior sucesso se souber desatolar o medíocre desempenho da economia, permitindo com isso a redenção da pobreza endêmica amenizada com políticas sociais. Levar o país à posição de destaque que já teve, quando puxada pelo que hoje nos falta – indústria forte, dinâmica e competitiva. Neste sentido, as falas do presidente em Pernambuco são promissoras. Depende dele a compreensão do que engripa o progresso no Brasil.

A esse respeito há um artigo recente que compara Brasil e Coréia do Sul pela ótica do que fracassou para nós e funcionou para o minúsculo país dividido e arrasado pela guerra nos anos 1950 com a metade apartada pela mais radical versão do comunismo. Why did Korea get rich while Brazil stagnated é o título do ensaio de Jean van de Walle, professor da Stern, escola de negócios da New York University, e estrategista de investimentos da Sycamore Capital.

Destaco dois trechos. “Coreia do Sul e Brasil seguiram caminhos de desenvolvimento semelhantes até meados da década de 1980”, ele descreve. “Depois, separaram-se, com a Coreia do Sul ascendendo ao clube das nações ricas, enquanto o Brasil definhou na ‘armadilha da renda média’. A Coreia percorreu o árduo caminho de escalar as cadeias de valor e conquistar mercados globais para as exportações de bens manufaturados; o Brasil desindustrializou-se e voltou à sua dependência histórica das commodities.”

Essas trajetórias divergentes fizeram toda a diferença.

Quando começa a decadência

Em 1982, ano em que a Coreia passou o Brasil em termos de PIB per capita, ambos tinham níveis semelhantes de industrialização (com o Brasil pouco à frente). Apoiados em modelos parecidos de política industrial, poupança forçada e empréstimos dirigidos, dominaram as indústrias básicas (aço, petroquímica, cimento etc.), a produção em massa (automóveis, eletrodomésticos etc.) e fizeram progressos importantes em bens de capital (máquinas e equipamentos).

Uma década depois, a situação mudou dramaticamente, destaca Jean van de Walle. “O Brasil experimentou uma redução significativa no seu índice de valor agregado industrial sobre o PIB entre 1984 e 1994. Este período coincide com a aprovação da nova Constituição iliberal no Brasil, volatilidade econômica e hiperinflação, e a crença generalizada de que políticas industriais e protecionismo do regime militar geraram oligopólios ineficientes e mimados.”

Opção ao siricutico fiscal

A hegemonia da era neoliberal no mundo explica os desdobramentos nas nações – seguida no Brasil e ignorada pela Coreia. Resultados: em 1985 a Coreia, com economia inferior a metade do nosso PIB, já exportava mais que o Brasil. E, com um quarto da população, tem mais “consumidores” domésticos e aumenta o seu consumo a um ritmo mais rápido. Fosse diferente em igual proporção, não haveria razão do Bolsa Família. E a própria educação, que Lula disse ser a causa do sucesso da China, progrediria por gravidade.

Em 2003, os consumidores de classe média, conforme o conceito do Banco Mundial, eram 35 milhões no Brasil e 39 milhões na Coréia. Em 2023, 42 milhões aqui e 48 milhões lá. Mas quem entre eles têm perfil para mercado de consumo de massa? A resposta define o jogo.

Se nos aplicarmos em discutir estas questões, deixando de lado o siricutico dos temas fiscais, será mais fácil perceber a saída do descaminho em que estamos, separar o que é ideologia do que é apenas bom senso, e talvez, reencontremos o desenvolvimento. Pela esquerda, se o presidente estiver disposto a ouvir mais. Ou pela direita moderna, que parece ter entendido o caminho da glória.

Antonio Machado é jornalista, colunista dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas.

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