Crescimento com queda de juros é vacina contra pregadores do caos social e predadores políticos

A expectativa está mais para estagnação que para crescimento e é essa percepção que explica a irritação de Lula com as análises e cobranças do mercado financeiro

Expectativa de redenção

A derrota de um sujeito tão desclassificado, despreparado, infame e malandro compensará por algum tempo eventuais infortúnios do governo. Lula conta com a indulgência da parcela do eleitorado ultrajada com as molecagens de um ex-presidente insensato e vulgar, apoiado, ainda assim, por quase tanto quanto os que repudiam a subversão espraiada à sombra de lemas fascistóides e da corrosão da autoridade do Estado.

O genocídio da população yanomami foi sequela da omissão do Estado, ao franquear a exploração econômica a organizações criminosas que se aproveitaram do ataque ideológico à regulação estatal, assim como a degradação do Rio de Janeiro começou com a mudança da capital federal para Brasília e a passagem das elites políticas e empresariais locais para “uma gente do porão”, como as definiu o ministro do STF, Gilmar Mendes, “com protagonismo na política nacional”. Em ambos os casos, é a falta de Estado, além de sua captura, a causa das tragédias.

As cenas chocantes das vítimas recorrentes de balas perdidas no Rio e dos indígenas famélicos, abandonados pelos órgãos responsáveis pela sua proteção por decisão do governo passado, não são exceções. Estão em toda parte de um país em que até meados de 1970 a economia tendia a ser o que asiáticos como China e Coreia do Sul se tornaram depois – potências econômicas mundiais, com vibrante dinamismo social.

É isso que fez Bolsonaro se eleger – a revolta de parte da população com o colapso do desenvolvimento. A eleição do mito farsante foi como uma cusparada na política, criminalizada pelos não menos delinquentes métodos e razões subalternas dos agentes da Lava Jato, revelados pelo vazamento das mensagens entre juiz e procuradores federais.

As seguidas derrotas do bolsonarismo não significam vitórias do presidente Lula, mas da grande coalizão conservadora que deu apoio a Jair Bolsonaro, tal como dera a todos os governantes eleitos depois da redemocratização e impichou os que contrariaram os seus desígnios.

Ao perder a reeleição, Bolsonaro foi rifado por essa frente, cujos partidos não se restringem ao tal centrão. Eles hoje estão com Lula e o PT, como estiveram de 2003 a 2016, e deixarão de estar se sentirem cheiro de queimado. Dilma se foi assim. Bolsonaro também iria se não entregasse a lei orçamentária aos dirigentes do Congresso em 2021, além de militarizar o seu governo. É com isso que Lula tem de lidar.

Contexto das prioridades

Com a abertura do ano legislativo, marcado pela reeleição de Arthur Lira (PP-AL) na Câmara, com recorde de 464 votos entre 513 deputados, e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no Senado, que venceu por 49 a 32 entre 81 senadores o rival Rogério Marinho (PL-RN), numa tentativa da extrema-direita de ter alguma franja de poder na Casa responsável por impichar ministros do STF, completou-se o ciclo eleitoral de 2022.

O governo sob o comando de Lula vai para o jogo político num campo em que, conforme o regulamento constitucional, atuam três poderes em condições de igualdade e necessária harmonia. No campeonato passado, as partidas se deram num ambiente de “pelada na várzea”.

Espera-se a volta da obediência às regras, mas não da vontade de um poder sobre o outro. A Presidência imperial de antigamente acabou. Da gestão Temer em diante, inaugurou-se o semipresidencialismo, em que o Congresso dita o ritmo do Executivo e o alcance de suas iniciativas. E, desde a derrubada dos alambrados pela torcida bolsonarista, com o STF como árbitro ativista e garantidor do Estado de Direito, além da vigilância da sociedade e de órgãos de controle sobre os truques para a formação de maioria parlamentar. Tudo está muito mais complexo.

É este o contexto das duas prioridades que definirão a sorte do país nesta década: reformas e volta do desenvolvimento perdido há mais de 40 anos, com melhor repartição dos frutos do crescimento econômico.

*Antonio Machado é jornalista, colunista dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas

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