Bolha global de US$ 160 tri e potências em choque põem Brasil na mira do investidor, a despeito da política

Apesar dos poderes

O mundo está confuso, confundindo as confusões nacionais, vistas por muitos como coisa nossa, tipo samba, feijoada e caipirinha, e poucos dão bola ao grande contexto das transformações monumentais dessa era.

O que vemos, vivemos e conhecemos está mudando aceleradamente e isso traz ansiedade, na partida, desconforto, quanto mais a mudança ganha tração, e negação, entre aquela parte da sociedade que teme perder o que conquistou para um novo mundo que não entende. Assim estão todos em toda parte. E estamos nós, talvez ainda no estágio da ansiedade.

A dúvida parada no ar, embora não formulada pois não refletida, é se estamos tendendo para o Paraguai, onde quase nada acontece em termos de tudo, ou para a Índia, onde tudo se mistura – tecnologias capazes de criar identidade digital para 1,4 bilhão de habitantes, construir armas nucleares, e dezenas de milhões se virando com pequenos negócios graças a aplicativos no celular.

Que queremos ser? Índia ou Paraguai?

Os líderes políticos não sabem. Se soubessem, estariam discutindo os caminhos para fazer do país outra potência econômica no mundo, com os atributos que acompanham esta ascensão – de influência geopolítica à formulação das inovações tecnológicas que estão marcando a década.

Quem transita nesta esfera não perde tempo com a chefia das agências da Funasa, repartição que integra a saúde ao saneamento público, que o governo Lula quis extinguir e o Congresso não concordou. Não compõe base parlamentar com bancadas de centro-direita e direita – portanto, não afins – sem uma linha programática pactuada de condução do país. Política movida por pecúnias custa caro, entrega pouco e é infiel.

Essas são nossas desventuras e idiossincrasias – as travessuras, por assim dizer, abonadas pela riqueza das commodities, de grãos e carne a minérios e petróleo, parte da qual compõe o seguro das reservas de divisas formadas desde o primeiro governo Lula contra riscos externos e amortece a inflação. Mas esse diferencial pode render muito mais.

O investidor estrangeiro sabe que o colchão de liquidez não se liga à dívida pública – quase inteiramente em reais, ao contrário do que agoniza Argentina, Venezuela e outros latinos -, garantindo o livre fluxo de seus capitais. Só sai com menos se fizer uma má aplicação. Este é um trunfo valioso do país neste tempo conturbado no mundo.

O que nos falta é ambição

O país não é uma ilha isolada em meio às circunstâncias distantes. O que acontece lá fora sempre nos atinge, embora não, necessariamente, o inverso seja verdade, e é isso que pode e tem de ser mudado.

Com distanciamento crítico, o que se vê olhando-se de fora é um país estável politicamente (sim, estável), com mercado de consumo de massa praticamente inexplorado, integrado fisicamente, sem revoltas étnicas nem religiosas, sem riscos naturais (vulcões, terremotos, furacões, tsunamis), sem vizinhos hostis, com população ainda jovem e atuante.

Isso é muito mais do que Índia e Indonésia, últimos países grandes a abraçar o desenvolvimento movido a investimentos e tecnologia, além de ações para promover a mobilidade social, dispunham ao abandonar a falta de ambição e assumir uma estratégia nacional de longo prazo.

Nossa realidade expõe um país travado ou incapacitado de realizar o seu potencial mais pela falta de coesão e dinamismo das elites – de todas as elites – que por políticas populistas gravemente desviantes.

Isso é chocante, mas hoje a confluência de incertezas no mundo torna a nossa mediocridade um pesadelo só nosso, não para os dinheiros que rodam as praças econômicas globais em busca de barganhas sem riscos.

A riqueza bate à porta

A inflação dos ativos nas últimas duas décadas, que começou a inflar com os socorros financeiros depois da grande crise de Wall Street em 2008, engrossou com os programas para contornar a recessão e alcançou valores superlativos na pandemia, criou US$ 160 trilhões de “riqueza de papel” no mundo, segundo estudo do McKinsey Global Institute.

Essa expansão de ativos financeiros, de papéis de dívida soberana a ações, de hipotecas a dívidas de empresas securitizadas, expressando a “financeirização” da economia, não implicou crescimento da economia real em igual proporção. Cada US$ 1 de investimento gerou US$ 1,90 de dívida, diz o estudo. A normalização da política monetária nos países ricos, com alta de juros contra a inflação e fim do tal “quantitative easing”, prenuncia o enxugamento da papelada sem lastro resgatável.

É aí que entramos neste enredo de aflições, esticado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, onde grupos rivais a Putin se estranham, e pela rivalidade aparentemente incontornável entre EUA e China.

Os fluxos de capitais livres no mundo, em valores muito acima do PIB global da ordem de US$ 101 tri em 2022, estão batendo à nossa porta, assim como da Índia e de outras grandes economias emergentes, pedindo para entrar antes que o arrocho autoinduzido nos EUA e Europa e algum evento geopolítico, provocado ou natural, os façam encolher ou sumir.

Atrativos multiplicados

Essa pressão benigna vinda de fora, se guiada internamente, e talvez quanto mais discreto seja o movimento maior sua eficácia, pode forçar correções de rumo a despeito do que queiram ou que façam ou deixem de fazer os dirigentes e representantes eleitos.

Falta-nos malícia. E também inteligência estratégica, para avaliar que qualquer fração dos capitais administrados pela BlackRock, Vanguard, State Street (um trio de gestores globais cuja carteira conjunta detém cerca de 22% de todas as ações das 500 empresas e bancos do índice S&P 500, da Bolsa de Nova York, e mais de 10% das ações do FT 300, da Bolsa de Londres) que aportar por aqui, com ativos baratos, terá um impacto absurdo.

Os atrativos estão no potencial do que há por fazer e na ausência de risco político doméstico à vista. Com ação concertada para aprovar no Congresso as reformas que visam aumentar a produtividade sistêmica da economia, como a tributária e os muitos tópicos da agenda do chamado Custo Brasil, os atrativos se tornarão exponenciais. Não se falará de risco fiscal, já que o grosso desses dinheiros é privado.

Ah, dirá o cético, e por que não investem nos EUA? Estão investindo, inclusive dinheiros públicos, e na Índia, no Vietnã. E não só fundos dos EUA, onde a necessidade sepultou o fundamentalismo da era Reagan/Thatcher, mas da China e da Europa.

Estamos em meio a uma mudança de era, como diz estudo da Rand Corp, think tank do Departamento de Defesa dos EUA, segundo o qual “o futuro da rivalidade EUA-China terá pouca semelhança com as lutas titânicas dos últimos dois séculos”. Será híbrida e quase invisível.

Está é a oportunidade que bate à porta. Abri-la pode nos redimir do subdesenvolvimento secular. Senão eles, que sejamos nós a abri-la.

Antonio Machado é jornalista, colunista dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas

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