Antes isso que nada
A economia sempre meio cheia, meio vazia, à mercê da bipolaridade entre a dita prioridade do equilíbrio das receitas e despesas do orçamento federal e o mandamento maior da popularidade dos políticos eleitos, é a marca dos nossos tempos: marca do crescimento meia-boca.
É uma característica tão enraizada que a palavra “desenvolvimento” é mais tema de propaganda institucional, equivalente a expressões vagas tipo “economia verde” e “sustentabilidade”, que provida dos atributos que lhe seriam inerentes: juro baixo, crédito farto, investimento no topo das prioridades dos orçamentos públicos e privados, a tributação enviesada em favor da inovação tecnológica e do dinamismo empresarial e não como meio exclusivamente arrecadatório para gasto corrente etc.
E é também o que explica o grande apoio à reforma tributária que vai substituir cinco impostos sobre o consumo por três outros com o fim de simplificar a rotina tributária mantendo a arrecadação em termos de proporção do PIB, distribuída entre o naco federal e o dos estados e municípios. Respectivamente, a Contribuição e o Imposto sobre Bens e Serviços (CBS e IBS, as novas siglas para o PIS/Cofins e o IPI, no nível da União, e para o ICMS e ISS, no plano federativo).
Ah! A reforma se completa com o também novo Imposto Seletivo, com os fundamentos de tributar atividades, digamos, perniciosas, como tabaco e álcool, adicionadas dos bens e serviços nocivos ao meio ambiente. E claro: mais um sortido de exceções, com alíquotas menores que as que serão legadas à indústria, o filho enjeitado da economia movida pelas commodities de exportação e transferências de renda, já que, de outro modo, Brasília seria sitiada por multidões de famélicos.
Ainda assim, essa reforma aprovada na Câmara e tramitando no Senado sob a forma de emenda à Constituição colhe mais apoio que críticas – estas, amenizadas pelas exceções dadas aos setores econômicos que há tempos substituíram a mediação de suas entidades pela eleição direta de parlamentares. Apesar disso, compensa mais uma reforma mediana ou meia-boca que manter o nefasto e obsoleto sistema tributário atual.
A fila andou na política
Entende-se o fim de linha em que nos encontramos quando as ambições sobre o que esperar das instituições encarregadas de moldar o futuro da economia são as mínimas possíveis. O que vai bem ou não se queixa não se explica só pelos conceitos de eficiência, tipo produtividade, ou por ser altamente competitivo vis-à-vis a concorrência externa.
Ter votos na Câmara e no Senado, independentemente de partidos, vale mais que manifesto de entidade empresarial ou simpatia do mandachuva da vez. Isso vai do agro aos transportes, entre outros, em detrimento de setores mais expostos politicamente como o financeiro e indústria.
Isso explica os ataques a qualquer programa de apoio à indústria, em geral por economistas para os quais política industrial é palavrão ou sinônimo de compadrio. São os mesmos que olhavam de lado para o tanto de facilidades estendidas ao agro e que hoje se surpreendem com o uso de sua ortodoxia fiscalista contra o setor financeiro. É como se diz: a fila andou na política… E quem não tem padrinho morre pagão.
O agro e seus cento e tantos deputados trabalham direitinho. Com uma participação no PIB de pouco mais de 7%, sua carga tributária é só de 0,6%. O agro se diz “pop”, enquanto a indústria de transformação (que faz a Ásia ser o centro dinâmico do mundo) responde por 12,9% do PIB e 30,4% da fatura total de impostos. Os bancos tão criticados, com peso de 9% do PIB, entregam 21% da receita total de impostos.
Mérito maior da reforma
As discrepâncias entre a participação dos setores econômicos no PIB e sua contribuição para a receita tributária distorceram a proposta original concebida para criar a tributação sobre o valor adicionado com alíquota única, nenhum regime especial nem de base tributável ao gosto do freguês e eliminar o maior absurdo: a cobrança cumulativa.
A cobrança cumulativa tende a desaparecer quando a nova sistemática estiver totalmente implantada, e esse é o mérito maior da reforma, mas as exceções serão mantidas como preço a pagar pela aprovação do cerne da emenda constitucional. A exceção começou na Câmara quando deputados do agro condicionaram seus votos à manutenção da carga tributária do setor. Outros fizeram igual e a coisa cresceu.
Faz todo sentido, assim, que o relatório do senador Eduardo Braga ao menos acatou proposta do presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, de impor uma trava para a alíquota de referência do IBS/CBS, aquela a ser aplicada aos setores “desapadrinhados”. É confiar desconfiando.
E o IBS/CBS será pior que IPI, PIS/Cofins, ICMS, ISS? Não. Mesmo com tais lambanças, a erradicação da cobrança cumulativa justifica fundir esses tributos em um único (já que a divisão IBS e CBS é para apartar a arrecadação, com a mesma legislação para ambos).
Nem por isso se deve ignorar que o Congresso perde a grande chance de contribuir para um salto de qualidade da atividade econômica no país.
Drucker tem algo a dizer
Outros ajustes são esperados na votação, no Senado, do novo texto do IVA e, depois, na Câmara, que vai apreciar as mudanças.
Um ajuste será de bom senso: o restabelecimento da trava votada pela Câmara e tirada pelo relatório do senador Braga que vedava aumento de alíquota para operações de crédito dos bancos. Se for para mexer aí, é para tirar o que onera o custo do dinheiro. Tributar financiamento, que é o oxigênio da economia e quem paga é o devedor, não banqueiro, é raríssimo no mundo. Não confundam com o lucro, tributado pelo IR.
Mas agora que o presidente Lula descartou a meta do déficit zero do ministro Fernando Haddad no orçamento de 2024 – “Não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo um corte de bilhões nas obras”, ele disse – espera-se que diminua o aperreio por medidas com risco de mirrar o crescimento e, portanto, a arrecadação.
O presidente e as lideranças do Congresso precisam alargar as visões para entender o que fazer para reaver o desenvolvimento perdido e se alinhar aos eleitores. Peter Drucker, o grande guru da administração moderna, tem algo a dizer: “O maior perigo em tempos de turbulência não é a turbulência – é agir com a lógica de ontem”. E vale também seu maior aforismo: “A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo”.
Antonio Machado é jornalista, colunista dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas.