Sem digitalização massiva, qualquer política pública e privada vai estar falida no nascedouro

Para evitar o abismo

Ao anunciar o combate ao crime organizado como prioridade de sua gestão no Ministério da Justiça, Ricardo Lewandowski, ex-ministro do STF, repetiu diretriz determinada pelo presidente Lula, levando ambos, involuntariamente, a explicar as razões do que faltou dizer com clareza sobre a política industrial divulgada semana passada.

O país é um indigente tecnológico, começando pelo que mais falta para romper nossa manemolência do desenvolvimento e que está para as gestões pública e privada tal como a máquina a vapor e a luz elétrica estiveram no início da era industrial: uma tecnologia de uso geral e com imensa força disruptiva para mudar o status quo.

Essa tecnologia já está dominada, configura-se como o alicerce de transformações que põem as potências econômicas em choque, dá às economias emergentes a possibilidade de desafiar os países ricos e vem em evolução contínua. A digitalização dos processos produtivos e administrativos é essa tecnologia de uso geral e a sua evolução sob a forma de inteligência artificial (IA) generativa é o grande, novo salto da vez.

A sua acepção não pode ser ignorada por nenhuma política pública e privada sob pena de falir quaisquer intenções.

A falta destes instrumentos, e mais objetivamente sobre como eles funcionam, está na raiz, por exemplo, da goleada do chamado “crime organizado” em países desorganizados. A autoridade de segurança só enxerga o que também vemos: jovens descamisados, calçando chinelo de dedo, com uma AK-47 nas mãos. Esses são os “soldados” do crime. Por trás deles estão os ditos “protetores”, gente graúda, não raro ligados à também dita “gente de bem”, rica e bem-sucedida.

O elo entre estes interesses é dinheiro, que assumiu a sua forma digital, nas transações convencionais, e criptografadas (pense no bitcoin), difíceis de rastrear. O “crime” internacional se serve destas tecnologias, imunes ao policiamento prende-bate-arrebenta.

O que o confronta é a inteligência cibernética, e nem isso é 100% garantido, mas sem ela as “facções”, como a imprensa nomeia o PCC, o Comando Vermelho etc., vão seguir ampliando suas redes até chegarem ao coração das instituições, como no México e Equador.

Estamos nesse estágio de dominação em vários estados, não só no Rio, e isso também é questão de política industrial tecnológica.

Ou se pensa grande ou esquece

Mais que crédito acessível em banco público para trazer de volta a indústria naval, citada como exemplo do que está no radar das intenções, a política industrial deve contemplar o que nos falta em regra e conciliar com a expansão de serviços, esse sim grande empregador, já que as indústrias renovadas pela tecnologia criam menos empregos que no passado. Liga-se também à educação, já que tecnologia demanda ensino técnico de base tecnológica.

Dez anos atrás a agenda digital do BID, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, já orientava que “os novos modelos de negócios e as soluções digitais disruptivas em plataformas abertas constituem grande oportunidade para os países, ao mesmo tempo em que exigem adaptar os atuais mecanismos de gestão fiscal e tributária ao uso intensivo de dados na nuvem, big data, data analytics, blockchain, inteligência artificial e machine learning”. Essa agenda vem sendo proposta a todo governante eleito desde 2010 por este escriba.

Não há como falar em segurança pública sem banco de dados de todo cidadão, assim como dos cadastros estaduais de ocorrências. O cara é preso e solto no Nordeste com mandato de prisão aberto no Sul…

A política industrial prevê apoiar a digitalização em quatro anos de 200 mil pequenas indústrias. Nada. O presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, impôs em 2022 a meta de atender todos os 50 mil CNPJs de indústrias ativas em São Paulo até 2025, com Senai estadual à frente, mais Sebrae e Desenvolve SP, do governo paulista. Ou se pensa grande ou deixa para lá. Países dão certo fazendo assim.

Mudanças tectônicas à vista

É como enunciou o tecnólogo e investidor Marc Andreessen, criador do browser de internet e cofundador da Andreessen Horowitz, grande casa de investimentos de risco dos EUA: “Construir não é fácil, ou já estaríamos fazendo. Precisamos exigir mais dos nossos líderes políticos, dos nossos CEOs, dos nossos empresários, dos nossos investidores. Precisamos exigir mais da nossa cultura. Sempre há pessoas excelentes mesmo nos sistemas mais quebrados. Nossa nação e nossa civilização foram construídas com produção. Há apenas uma maneira de honrar esse legado e criar o futuro que queremos para nossos próprios filhos e netos: construindo!”

Cadê essa fala aqui?

E não se trata só de retórica, trata-se de realidade em torno da qual EUA e China travam guerras comerciais e híbridas, com mão de gato de autocracias a la Rússia de Putin e Irã dos aiatolás.

Sabe-se, conforme estudo da ARK, dos EUA, que investe em negócios de fronteira (foi pioneira na Tesla), que hoje as cinco grandes plataformas tecnológicas – Inteligência Artificial, Blockchains, Sequenciação Multiómica, Armazenamento de Energia e Robótica – estão se tornando uma coisa só e deverão criar mudanças econômicas “tectónicas mais impactantes que a primeira e a segunda revoluções industriais”. De novo: isso é fato, não especulação acadêmica.

Globalmente, diz o estudo, o crescimento real poderá acelerar de 3% em média, durante os últimos 125 anos, para mais de 7% durante os próximos sete anos, à medida que os robôs revigorem a produção, robotáxis transformem os transportes e a inteligência artificial amplifique a produtividade dos trabalhadores do conhecimento.

Como faz? Por onde começar?

Como faz? Por onde começar? Vamos lá, com um breve resumo:

, universalizar a identidade digital em suas várias facetas – CPF, CNPJ, ativos transacionáveis (títulos, imóveis, carros etc.); , unificar os cadastros sociais numa plataforma que processe e conecte os dados por órgãos públicos e privados de forma contínua. É fundamental número de identidade único em toda a base de dados. Tal sistema é a coluna mestra da economia digital; , arrecadação tributária com crédito/débito em tempo real, usando tecnologia já disponível e a rede de dados do sistema bancário; , real digital (o Drex, a moeda digital que o Banco está pronto para lançar); , simplificação e desburocratização, focando agilidade, custo baixo, segurança dos dados e satisfação dos “clientes” finais.

Isso é só para começar. Se fizermos ao menos o básico, combinando ousadia com disciplina, o que parece perdido ou impossível pode ser recuperado e transformado. Devemos no mínimo isso ao Brasil.

Antonio Machado é jornalista, colunista dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas.

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