Nossos ‘líderes’ se satisfazem com migalhas, enquanto as inovações moldam outra economia no mundo

Do prato para a boca

Com a cabeça de políticos e governantes voltada para as eleições deste ano e a de 2026 e a do mercado financeiro, como sempre, para o que dizem os números de curto prazo da economia, tipo inflação e déficit público, continua difícil pautar a prioridade do progresso vis-à-vis as transformações tecnológicas e geopolíticas no mundo.

A disputa sobre a execução da Lei Orçamentária Anual (LOA) também reduz as discussões econômicas relevantes aos fundos fiscais que os governantes querem dispor, e é pouco o que está disponível para livre provimento, dado o extremo engessamento das contas públicas (93% do total, entre salários do funcionalismo, transferências de renda e déficit da previdência, são gastos obrigatórios).

Sobra como variável de ajuste o valor orçado para o investimento custeado com fundos fiscais, parte do qual (R$ 53 bilhões na LOA, R$ 47 bilhões depois do corte pelo presidente Lula) disperso entre emendas agraciadas aos 594 parlamentares. Se a aversão ao corte das emendas liderada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, for amainada, a avaliação do mercado será positiva, já que estará em linha com a meta de zerar o déficit primário (sem juros) da LOA.

E o nível da atividade econômica em meio a isso? Sofrerá pouco no curto prazo, pois movido mais por medidas que impactam o gasto das famílias (como as transferências de renda à fatia majoritária da população) que pelo investimento, sobretudo privado, imperativo para sustentar os resultados futuros. Estamos há 40 anos vivendo a economia do “contente”, dirigida pela satisfação imediata.

Os comentaristas de política adoram estas tretas, que distraem e entretém mas são irrelevantes para reverter o longo declínio da economia brasileira no confronto global. O resultado excepcional das commodities de exportação – grãos, carnes, minérios, petróleo – impulsiona nosso PIB na lista dos maiores do mundo, tira-nos da má companhia dos países insolventes (tipo Argentina), mas…

Estas atividades empregam pouco, recolhem quase nada de impostos e não têm o dinamismo da manufatura para puxar o setor de serviços, onde a maioria de todos nós labuta e tira o seu quinhão.

Pregadores do capinancismo

Achar esse equilíbrio entre os setores da economia é o que já vai décadas se espera dos governantes e da elite do capital. Mas basta o PIB crescer pouco acima de 2% (como deverá entregar este ano) e a inflação ficar mansa para os espíritos mais inquietos sossegarem o facho e sentirem incômodo com quem fala de desenvolvimento.

A elite do capital é capaz de ficar oito horas durante dois dias num auditório ouvindo pregadores do capinancismo falarem de riscos fiscais e monetários. Sobre as tecnologias que já mudaram o mundo, tornando obsoletos os modelos de negócios conhecidos, há pouco ou nenhum interesse. Satisfazem-se com política econômica que garante fundos para os políticos empinarem sua popularidade desde que ela não destrambelhe a dívida pública e a inflação.

Berço da Revolução Industrial, a Inglaterra – país do Grupo dos 7 mais ricos do Ocidente, tem o pior desempenho econômico do bloco e se debate em meio a uma crise existencial – é um bom observatório sobre as origens do declínio, depois de décadas de políticas com viés distributivo, seguido de mais décadas até agora de ideologia do Estado mínimo e desfibramento até do mais bem-sucedido sistema de saúde pública no mundo (que inspirou o nosso SUS).

Na sístole e diástole do coração econômico inglês, a indústria foi para o brejo, o sistema financeiro se hipertrofiou e o atraso chegou. Hoje, tirando o status quo ligado aos traders de papéis e moedas, é grande entre os conservadores ingleses o sentimento de que o liberalismo sem desenvolvimento é retrógrado e perigoso.

A renovação conservadora

Experiências internacionais comparadas servem de vitrine para o que devemos corrigir ou suplantar. O “neodesenvolvimentismo” tão execrado pelos economistas tradicionais no Brasil, por exemplo, é o cerne dos três grandes atos bipartidários do governo Biden para promover a modernização da infraestrutura e reindustrializar a economia a partir da introspecção dos serviços tecnológicos aos processos produtivos e gerenciais. Quanto a isso, Trump e Biden falam a mesma língua. Divergem quanto à prioridade social.

É o que motiva os conservadores ingleses a afirmar, como se lê no blog The Conservative Reader escrito por intelectuais que estão ou estiveram no staff dos últimos governos, que “a Grã-Bretanha precisa de uma missão nacional de crescimento e resiliência, não de uma ideologia libertária”.

Troque-se Grã-Bretanha por Brasil e se aplica ao que reclamam os empresários brasileiros e até Lula.

Também se aplica ao Brasil o argumento de Ambrose Evans-Pritchard no The Telegraph, dias atrás, segundo o qual “o baixo investimento crónico é a principal causa da fraca produtividade britânica, agravada por decisões históricas de austeridade”.

Essa é a discussão que o empresariado com ativos produtivos ainda operacionais no Brasil tem de promover, e é também o pensamento de progresso e modernidade que falta aos partidos de centro até para dar um chega para lá na extrema-direita hidrófoba. E mais: deixar claro, especialmente aos políticos e parte da imprensa, que não se veem representados pela agenda imobilista do mercado financeiro.

Déficit de inteligência

Olhando-se do alto a condução da nossa macroeconomia à luz do que se faz na Ásia e nos EUA, fica a sugestão de que temos não bem uma política econômica, mas um plano de contas com foco no caixa, que a tudo subordina. Empresas guiadas pela tesouraria, nomes ilustres como Kodak e GE, ou se foram ou se apequenaram.

Países também padecem desse mal. É obvio que há problemas fiscais graves, mas menos pelo gasto em si e mais pela governança frágil nos três níveis das federação. A despesa total da União, estados e municípios chegou em 2022, última consolidação pela Secretaria do Tesouro, a 45,9% do PIB ou R$ 4,63 trilhões em valor nominal.

É um gasto alto para os padrões internacionais, em especial para uma economia emergente com crescimento estagnado. Não há receita tributária que baste, e outra vez com viés de alta dada a timidez dos governantes em priorizar a eficiência da gestão federativa.

Gastar meio PIB com função pública é tão excessivo que nem daria para cogitar emagrecê-la cortando a la Milei. É preciso engordar o PIB, o que pressupõe dar mais espaço ao capital privado e abraçar com fé as novas tecnologias, focando serviços para ter no emprego a saída para as ações sociais. Falta-nos inteligência estratégica.

Antonio Machado é jornalista, colunista dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas.

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