Lei orçamentária para 2024 propõe mais gastos, mais impostos, e prevê que a economia vai ganhar tração

Propostas difíceis

Contrariando sentimento amplamente disseminado na sociedade contra o aumento de carga tributária, hoje das maiores do mundo, 34% do PIB, o governo resolveu elevar a tributação dos contribuintes de maior renda e a base tributável de empresas e bancos como meios para zerar no ano que vem o déficit primário (sem o ônus de juros) do orçamento federal de receita e despesa e chegar ao superávit em 2025. Aposta difícil.

Assim foi proposto ao Congresso como modo de manter o gasto público, vários dos quais obrigatórios, livre de corte e repressão, como fez o governo passado, sucateando a administração federal. Em tese, tudo é possível executar. Na prática, as dificuldades são gigantescas.

A promessa de orçamento zerado sem corte de despesa, sustentada pelo novo regime fiscal mais maleável que o antigo teto de gastos, depende de muitas condicionantes, especialmente das propostas ao Congresso de salgar o Imposto de Renda dos contribuintes mais ricos e das pessoas jurídicas em geral. O mais provável é que a maioria de centro-direita na Câmara e Senado suavize o que o ministro Fernando Haddad salgou.

O governo também aposta na aceleração do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), que, no fim, é a variável chave para o resultado das metas autoimpostas pela equipe econômica do presidente Lula e para o seu sucesso político. Só que o desempenho do PIB no trimestre passado foi fraco, e assim tende a ficar o resto do ano, num misto de efeito dos juros altos do Banco Central, endividamento excessivo de pessoas e empresas, muito subemprego tratado como empreendedorismo individual e carência de um programa planejado de modernização industrial.

Se a economia fraquejar, a proposta da Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2024 enviada ao escrutínio e aprovação do Congresso passará por muitas modificações, entre as quais, certamente, nem corte de gastos nem enxugamento das emendas parlamentares serão levadas à guilhotina.

A LOA prevê crescimento do PIB este ano de 2,5% e de 2,3% em 2024, com inflação pelo IPCA de 3,3%, pouco acima da meta anual de 3%, e Selic média no ano de 9,8%, contra atuais 13,25% e Focus projetando fechar 2023 em 11,75% e 9% ano que vem. No Focus, o PIB cresce 2,3% este ano e 1,3% em 2024. A economia teve resultado melhor do que os pessimistas previam no segundo trimestre, mas precisaria ser mais.

Dado agregado explica pouco

No mapa do IBGE, o PIB intertrimestres diminuiu de +1,8% no primeiro trimestre sobre o último de 2022 para +0,9% de abril a junho (versus o período anterior). Em termos anualizados, ou seja, repetindo a taxa trimestral pelos quatro trimestres seguintes, caiu de 7,4% para 3,6%. O forte impulso da agropecuária no início do ano não vai repetir-se, com as grandes safras de exportação já encerradas.

Mesmo assim, o movimento das commodities conta pouco tanto para robustecer a economia doméstica quanto para trazer para o Tesouro a arrecadação tributária adicional necessária para viabilizar a meta de déficit zero da LOA de 2024. O agro é pouco tributado.

Ainda que a taxa de desemprego esteja diminuindo, chegando a 7,9% no trimestre móvel encerrado em julho, faltam empregos com salários mais robustos nos ramos de comércio e serviços que mais empregam, enquanto a indústria manufatureira continua sem estratégia para voltar a ser a atividade dinâmica da economia e do mercado de trabalho como já foi.

O desempenho do PIB em 12 meses até junho, de 3,2%, confunde o que se passa no agregado dos setores produtivos. Visto numa perspectiva de médio e longo prazo, está mais para a volta do quadro das últimas décadas – estagnação, com crescimento abaixo de 2% ao ano. É este o contexto em que se inserem a proposta da LOA e meta de déficit zero.

Gasto social puxou o PIB

Ao se abrir os dados agregados do PIB no segundo trimestre, chama a atenção o baixo desempenho da indústria de transformação, com aumento de apenas 0,3% intertrimestres (contra 0,9% da indústria geral), e do comércio, com +0,1%, igual desempenho da taxa de investimentos.

Estes são os segmentos a acompanhar com lupa. Não ajuda politizar as análises, querendo comparar com desempenho do governo passado, quando a demanda foi inflada artificialmente para ajudar a reeleição que não aconteceu. Bolsonaro saiu deixando 1,5 ponto de percentagem de PIB de gastos sem cobertura de receita para o sucessor (tipo elevar para R$ 600 o Auxílio Brasil, liberar consignado para a população assistida, com a previsível inadimplência na CEF, o beiço nos precatórios etc.).

Os então candidatos se comprometeram em manter o pagamento de R$ 600 – dando cerca de R$ 100 bilhões, com outras despesas como a correção do IR na fonte. A chamada PEC da Transição veio para isso, mas com a ampliação algo maior dos gastos do governo, R$ 168 bilhões. Esse foi o principal impulso da economia no semestre passado, ao lado do agro.

Para 2024, a LOA precisará de mais R$ 168 bilhões em novas receitas, além da continuidade do crescimento do PIB ao ritmo de ao menos 2,3%, a fim de entregar o déficit zerado. As despesas foram estimadas em R$ 2,18 trilhões (19,2% do PIB projetado pela Fazenda em 2024 em R$ 11,4 trilhões) e as receitas, R$ 2,7 trilhões (23,7% do PIB). Nada indica que essa batalha será fácil, ainda que o aumento cogitado de impostos recaia sobre grandes investidores, bancos e empresas em geral.

Gasto social é o que provê o cenário de expansão, sem desaceleração, do PIB em 2024, a despeito de que maiores gastos encontrarão um BC de tocaia, e maiores impostos vão esfriar a boa-vontade empresarial.

Como remover os obstáculos

O governo enviou projeto de lei que acaba com o chamado juro sobre o capital próprio investido pelos sócios na empresa a partir de janeiro e anunciou medida provisória que elimina benefícios fiscais tirados da apuração do lucro líquido. O objetivo é dificultar a isenção do IRPJ e da CSLL. Primeiro o imposto será pago para depois, dependendo de condições da Receita, pleitear a recuperação eventual do crédito.

As medidas são para embasar o resultado primário zerado na LOA de 2024. Somam-se ao rosário de aumento de carga tributária: CARF com voto de desempate da União, tributação come-cotas nos tais fundos exclusivos, oneração de offshores e trusts. Segundo a ministra Simone Tebet, se precisar, mais medidas desse tipo serão acionadas.

Cada uma, isoladamente, tem seu argumento de racionalidade. Tomadas em conjunto, distorcem o bizarro sistema tributário do país. E soam contraditórias, quando tramita a reforma dos impostos indiretos, que já passou na Câmara e está agora no Senado, e se promete a reforma do IR na sequência. No caso do JCP, sem transição, o potencial de vir a desestruturar os grupos atingidos não é desprezível. Quanto ao fundos no exterior, o risco ao governo é que só consiga tributar uma vez.

A rigor, primeiro deveria começar com a apresentação de uma política econômica voltada ao investimento empresarial, e para isso há fartos recursos privados aqui e no exterior, e depois negociar no Congresso o plano de ajuste das contas públicas. Bem conversado, os obstáculos são removidos e se forma a coesão pelo desenvolvimento. De surpresa, cria mal-estar e desconfiança, que vão reverberar no plano político.

Desenvolvimento é uma parceria público privada até na China. Ou se põem todos de acordo num plano mínimo ou se colhem frustrações.

Antonio Machado é jornalista, colunista dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas.

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