Fala na ONU mostra Lula sintonizado com as macro mudanças e ansioso com as entregas de seu governo

Desejo de muito mais

Ao formular na abertura da assembleia geral da ONU os princípios que julga essenciais para a “sustentabilidade e prosperidade” serem metas imanentes no mundo, mas, como destacou, não há “prosperidade sem paz” e “estabilidade e segurança não serão alcançadas onde há desigualdade e exclusão social”, o presidente Lula resumiu o que sempre aparece na fala oficial dos líderes das grandes potências mais como expressão de bom mocismo que de vontade para um pacto global pela concórdia.

Como esperado, seu discurso teve mais acolhida no exterior que aqui, parte devido à desconfiança em relação ao PT. Mas, em especial, pelo desconhecimento de que, excluídas de sua fala as figuras de linguagem da retórica progressista, seus apelos e críticas na ONU têm sintonia com as mudanças do pensamento conservador nos EUA.

É o que explica a volta da política industrial e subvenções públicas para a inovação tecnológica no governo Biden ter sido aprovada com os votos da oposição republicana (exceto dos radicais) no Congresso.

Mas isso é ignorado pela análise política no Brasil, e possivelmente até por ele e seus principais assessores, tanto quanto o fato de que os programas de verniz keynesianismo de Biden – mais ousados do que o progressismo recomenda para o Brasil – foram formulados por um grupo de executivos de Wall Street, não por acadêmicos heterodoxos.

Fosse diferente, nem a fala na ONU sobre os malefícios do chamado “neoliberalismo” teria provocado urticárias entre os críticos de seu governo no Brasil nem ela teria o viés populista. Registre-se que a primeira personalidade global a se insurgir contra o que chamam nos EUA de “fundamentalismo de mercado”, pela exacerbação do reaganismo, foi Donald Trump ainda como candidato.

Lula disse em Nova York que “o neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias” e “seu legado é uma massa de deserdados e excluídos”. A sequência é o que incomodou a crítica no Brasil: “Em meio a seus escombros, surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas”. E arrematou: “Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário”. Aplica-se a Trump, Putin e Xi Jinping.

Progressismo conservador

O presidente não foi muito além do que tem dito nos EUA e Inglaterra os principais analistas da imprensa liberal, como New York Times, The Economist e Bloomberg. Se tivesse sido mais atento, trocando o termo “conservador” por “direita reacionária”, ele estaria no mesmo campo de convergência dos grandes movimentos democráticos desta década.

O conservadorismo reformista tem sido crítico e propositivo até mais que os progressistas, além de buscar diferenciar liberalismo político e liberalismo na economia, vulgo neoliberalismo. Não pretende limitar o mercado nem estatizar o investimento, mas pôr o Estado alinhado às empresas a fim de compensar o crescente domínio econômico da China e seu uso como instrumento de coação geopolítica, além de criar regras ambientais e sociais aos beneficiários das subvenções.

Ao tempo em que Lula falava na ONU, um diretor da American Compass, think tank conservador, Chris Griswold, testemunhava a um subcomitê da Câmara que analisa uma lei proposta para rearticular as cadeias produtivas dos EUA. American Compass dá retaguarda intelectual para uma seleta de políticos republicanos como os senadores Marco Rubio, da Florida, Josh Hawley, do Missouri, e Mitt Romney, de Utah.

Griswold responsabilizou os últimos governos e líderes da situação e oposição pela ascensão da China: “A corrente principal da política econômica conservadora reconhece agora que a eficiência do mercado, a maximização do valor aos acionistas e lucros trimestrais regulares não são a melhor ou única medida da saúde econômica e social”.

E mais: “Numerosos membros republicanos do Congresso, funcionários da administração Trump e um número crescente de líderes de pensamento conservador compreendem agora que a segurança econômica nacional e a resiliência frente aos choques nas cadeias de abastecimento são uma preocupação legítima na formulação de políticas econômicas”. Isto é: a geopolítica mudou as expectativas sociais e elas obrigam a mudar as prioridades das transformações e a formulação da macroeconomia.

Brasil na rota do capital

A questão, portanto, não é a visão formulada por Lula na ONU, embora pudesse ter sido mais duro com as autocracias em geral e com a Rússia em particular. Na essência, ele mostrou mais ambições, aspirações e urgências do que seu ministério, com exceções, consegue entregar.

Como constatou no jantar em Nova York com chefes de grandes bancos, empresas e fundos globais, o Brasil está na rota dos investimentos de longo prazo, muitos deles à procura de opções desde que o presidente Xi Jinping pôs o nacionalismo chinês como prioridade superior a bons resultados da economia.

O que falta ao Brasil, se temos uma situação externa folgada ao contrário da maioria dos países emergentes?

Ninguém disse nem foi perguntado. Mas parece claro que eles aspiram investir numa economia com visão para adiante, com respostas rápidas ao que deixou de existir como oportunidade, tipo motor a combustão, energias sujas e mercado interno potencial estreito, incapaz de dar as economias de escala para a exportação. Nada do que já não estejamos entregando, só que pouco articulado, burocrático e cheio de travas.

Os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, que testemunharam as andanças de Lula em Nova York, provavelmente se mostrariam tão ambiciosos como ele se instados a olhar grande dentro de um programa que seduza o empresariado para além de “arcabouços”.

Para mudar o negativismo

A sugestão que está no ar, com a volta vagarosa do sentimento de que a questão fiscal é grave e o governo não conseguirá endereça-la, leva a um redesenho geral das metas, ainda mais agora que o centrão entrou no governo, mas não lhe peça para afrontar a base que o elegeu nem se a provisão das emendas parlamentares for triplicada na LOA de 2024.

O presidente quer desenvolvimento, o centro majoritário no Congresso quer manter-se dominante, a população anseia pela volta da mobilidade social, então, este tem de ser o caminho, acionando todos alinhados com tais objetivos. As centrais sindicais que ajudaram o presidente a construir a parceria pelo “trabalho digno”, anunciada por ele e Biden, partilham com o empresariado moderno o mesmo propósito.

Se faltam braços e ideias em Brasília, que sejam buscados onde existam, inclusive fora do país. Entidades empresariais, seja da indústria, de serviços e dos bancos, como Fiesp, Febraban e Pensar Agro, não se negariam a colaborar com esse fim.

E que tais iniciativas ocupem o espaço, ao menos no noticiário, do que já deveria estar trancafiado no passado: as tentativas de sedição dos falsos democratas e o negativismo que o acompanha. Vamos mudar o disco.

Antonio Machado é jornalista, colunista dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas.

Deixe uma resposta